Ensino e aprendizagem estão sempre juntos. É verdade que a visão cartesiana era diferente: ensino deveria estar separado de aprendizagem, porque o ensino dependia do professor e o aprendizado do aluno. Muitos educadores ainda acolhem essa dicotomia até os nossos dias.
O mais grave em tudo é o descompromisso. Muitas vezes ouvimos a fala de alguns professores referindo-se aos salários, dizendo que, agora, dançam conforme a música: se pagam o que acham devido, trabalham, se não recebem, diminuem o ritmo, condensam a matéria e não criam nada de novo.
O resultado disso é desastroso porque, em pouco tempo, o professor sente-se inútil. Os educandos falam melhor dos computadores que dos seus educadores. Além disso, seria importante lembrar que se discute, hoje, a eutanásia, em vários países do mundo. O nosso não estará longe dessa situação. O descompromisso poderá oferecer à sociedade uma plêiade de jovens também descompromissados, sobretudo com a vida. O resultado para nós, professores, será frustrante quando daqui a cinqüenta anos percebermos os mais novos aborrecidos com a nossa presença no mundo e desejando enviar-nos para a vida eterna mais depressa! O filósofo alemão Frank Schirrmacher prevê que a sociedade estará envolta numa revolução cultural muito forte determinada pela demografia e que a crise será instalada entre jovens versus idosos que, segundo o autor de Complô Matusalém, ainda sem tradução no Brasil, triplicará até o ano de 2056 (Schirrmacher, 2004).
Mesmo que Massimo Canevacci discorde desse enfoque em seu livro Culturas eXtremas, informando e deduzindo acerca do aumento do conceito de juventude e derrubando os conceitos impostos pela demografia, um fato me parece claro: o choque acabará existindo e, não será pela via do descompromisso e da inexistência de uma formação ética desapaixonante que chegaremos a bom termo.
Teoricamente estes elementos apresentados impedem a paixão pelo ensinar que desemboca em práticas incentivadas pela sociedade, imprensa e congressos de educação que, por sua vez, "tapando o sol com a peneira" continuam a frustrar os educadores.
Passa-se, então, a ensinar o que os alunos gostam de aprender. O resultado é simples: surgirão lacunas que derrubarão os alunos em fases posteriores. O professor ouve dizer que, agora, ele deve ser facilitador. O problema não é que o facilitador seja um "mão aberta" deixando que tudo aconteça. Se facilitar é um caminho para o aprender mais, então ótimo, vamos facilitar. Mas, a questão é mais profunda porque enquanto facilitamos não podemos deixar de sermos desafiadores. Irá crescer na vida quem vencer desafios, quem tiver coragem para superar obstáculos. Pedro Demo afirma em seu livro "Ironias da Educação" que conferência-show e aula-show não é local de pesquisa, portanto esse nosso momento é um momento desafiador e incentivador, não é um momento de pesquisa que, se foram todos os leitores desse tema responsáveis, deverá acompanhar o educador pelos dias seguintes, meses e anos. Será o árduo trabalho do pós-congresso que trará de volta o saber mais profundo e a responsabilidade estribada em competência resultante de relevantes estudos.
Certas convicções erradas levam ao desastre profissional e à frustração desapaixonante: a) já aprendi o que tinha de aprender, agora somente devo ensinar; b) se participo de seminários e semanas pedagógicas tenho tudo resolvido, cumpri com minha parte e nada mais precisa ser acrescentado; c) agora basta encantar os alunos, nem que seja com algum trabalho de grupo que não represente um fenômeno pedagógico relevante (Demo, 2005) e constitua, apenas, uma conversa fiada.
Além disso, o que frustra muito é até a ditadura da beleza. Diante de um modelo de 23 anos, uma mulher de 25 sente-se velha e feia (Schirrmacher, 2004). Muitos se acham velhos e feios diante dos alunos cada vez mais produzidos pelos padrões da sociedade de consumo.
Impõe-se aos educadores uma reflexão sobre a bagagem que transportam. As quantidades de carga cognitiva sem expressão, valores corrompidos e diluídos na sociedade consumista e atitudes de descompromisso com as pessoas e com os projetos de educação.
Decorre, então, uma questão simples e, ao mesmo tempo, vital: ao escolhermos uma escola para trabalhar e, conseqüentemente, nos realizarmos profissionalmente precisamos avaliar as relações entre o projeto da escola e os nossos. Se a discrepância entre um e outro for muito grande a ponto de não haver possibilidade de assimilação, deveríamos buscar outro estabelecimento porque, se não conseguirmos juntar ao nosso trabalho algum ideal que temos dentro de nós, para sentirmos mais de perto as pessoas (Werneck, 2004), o trabalho será frustrante.
Todos esses elementos nos colocarão em pé de igualdade com a juventude de culturas eXtremas (Canevacci, 2005), essa juventude ocupada com a aporia, a nonorder, a e-scape e a diáspora virtual. E enquanto estivermos nós, educadores, perdidos diante do ciberespaço que eles dominam, convivendo com mercadorias tatuadas (as que usam códigos de barras) e, ainda de modo pior, na desilusão entre a fronteira entre a pessoa e seu site, não teremos razão para nos apaixonarmos. No entanto, quando assumirmos as nossas vidas, a real e a virtual, a metrópole com suas dispersões e o ciberespaço com sua virtualidade envolvente estaremos dentro do paradigma moderno de uma educação que busca a inspiração no texto e nos contextos da vida humana.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
DEMO, Pedro, Ironias da Educação, DPA Editora, Rio, 2005.
CANEVACCI, Massimo, Culturas eXtremas, DPA Editora, Rio, 2005.
MORIN, Edgar, A Cabeça bem feita, Bertrand do Brasil, 2003.
SCHIRRMACHER, Frank, A ditadura dos jovens - entrevista à revista Veja, 18 de agosto de 2004.
WERNECK, Hamilton, Educar é sentir as pessoas, DPA Editora, Rio, 2004
Fonte: www.hamiltonwerneck.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário